quinta-feira, 14 de junho de 2012

Vontade Indómita


À semelhança dos grandes acontecimentos que mudaram o mundo, deixando na memória colectiva marcas profundas da diferença entre o bem e o mal e,  descrita em manuais de História; estão também registados no palco da minha mente várias histórias que contêm acontecimentos marcantes e na minha óptica em 1989 tudo aconteceu!

 Era o dia 9 de Novembro quando foi derrubado o Muro de Berlim reunificando a Alemanha Oriental e Ocidental depois de dezenas de anos de uma guerra fria que separou um mesmo povo, famílias e, individuos literalmente ao meio. O mundo exaltou, festejou a liberdade, o mundo inteiro iniciava um novo percurso com esperanças renovadas.

 Mas o acontecimento mais marcante neste mesmo ano foi o casamento dos meus pais, após uma união aparentemente estável de doze anos, a minha mãe radiante e, a menina que tinha acabado de completar o seu nono aniversário não estava feliz. Para mim aquela cerimónia foi triste, mais uma tentativa de unir o inconciliável. Chorei compulsivamente porque  era um marco na extensão e perpetuação dos conflitos permanentes destes meus amores, minha lutadora mãe, a cola e centro da nossa vida familiar e do meu pai, homem forte, honesto, bom e trabalhador. Aquele casamento civil vinha ratificar uma (des) união de facto, com aquela idade eu já sabia,porque escutava por trás dos acontecimentos corriqueiros do dia – a -  dia com a alma, pensamento e coração partidos os amores da minha vida, lutarem pela supremacia, numa guerra fria permanente, constante e, seria difícil com os anos a reunificação desta família díspar e destruturada apesar das tentativas e esforços. Neste dia o meu mundo caiu, chorei a prisão emocional e dependência de minha mãe do pai e marido ausente com quem ela compartilhava a vida.

Os meus pais não conseguiram manter, perpetuar a união inicial de sorrirem juntos, da cumplicidade de um olhar, de partilharem as principais refeições juntos enquanto se conversava animadamente sobre o noticiário da noite, e eu assisti aos poucos à invasão de um silêncio ensurdecedor. Este sim, era o maior companheiro de um e do outro, silêncio que era apenas interrompido pelas vozes da censura mútua, mau-humor e gritos. Decidi naquele momento, nas horas em que os meus pais juraram amor eterno enquanto o presente fosse suportável, que iria com todas as minhas forças escapar daquela realidade conflituosa. Divaguei nos anos com a ideia de um dia refazer tudo o que eles tinham desfeito e destruído dentro deles próprios, infligindo o mais severo golpe de rejeição e abandono a um mundo infantil, simples que teimava em ainda acreditar no amor. Foi no dia vinte e seis de Fevereiro de 1989 que a vida mudava completamente e eu impotente assistia.

Do outro lado do oceano, longe das minhas expectativas, mas dentro dos meus olhares e divagações distantes estava a nascer e ressurgir das cinzas aquele que reunia em si as minhas esperanças. Nascia a pessoa que iria mudar toda a minha perspectivas sobre  o que é a família, foi durante a minha infância que nasceu o amor da minha vida adulta. Era o dia 14 de Março de 1989.
                                         
E nunca pensei que um dia seria possível experimentar a redenção do amor que eles (os meus pais) esqueceram de viver... porque apenas limitaram-se á mediocridade de ficar juntos pelos filhos e para manter um status quo inexistente. Decorridas apenas três curtas primaveras e o inverno da nossa família começou quando entrou pela casa o frio gélido da separação, de novas uniões e agrupamentos familiares.

Passaram-se duas décadas e, aqui estou numa tarde de inverno, quietinha com a solidão que escolhi e que até aqui me tem  preenchido e  feito feliz ou assim quero eu acreditar, mas sábias são as palavras de Alfred de Vigny quando afirma: " Só o silêncio é grande, tudo mais é fragilidade." Não desejo experimentar ou viver relacões com ninguém, relações que apenas sobreviveriam de hormonas, química, lençóis, falta de amor e convicções.

Aquela menina pequena, sou eu que ainda teimo em acreditar em romances de Jane Austen. No romance da minha vida com o meu melhor amigo, o orgulho e preconceito detinham  uma distância confortável entre nós e tudo em nome da amizade. Foi através daquela distância segura, confortável que surgiu a evidente necessidade de estar e permanecer ainda mais perto, a timidez dos afetos davam ousadia a grandes sentimentos.

Foram dois anos de uma guerra fria de sentimentos em luta até á rendição mútua de um pelo/ao outro e este é hoje, um amor inteligente, um amor que conversa e ri, que escreve todos os dias bilhetes e postais e ainda um amor que decora casas e corações.

É um amor que quer o outro feliz, ainda que isso implique despir o casaco e acreditar naquilo que nunca ousou sonhar!

Ele é a minha excepção, e hoje, podemos dar as mãos, trocar afectos, enfeitar e decorar árvores de natal em conjunto, porque somos a excepção um do outro.

E somos a excepção aos ideias que um dia ambos sonhámos, mas eis que estamos excepcionalmente felizes e sem nunca estarmos apaixonados, sempre fomos o amor, a amizade e o carinho um do outro!

Passados 23 anos, reencontro a paz e a esperança de redenção!!!

Ele (re)fez o meu coração e se bem que este arco-íris em que vivo tem por vezes pinceladas de cinza, são as outras cores, as alegres as que têm cativado os nossos olhares de divagações!

Este é o romance para se ler, viver e manter ao lado da cama, é o lado fresco da almofada em que reclino meus sonhos e aspirações, quero espreitar por cima de um livro, e com o sobrolho franzido espantar os medos do passado, não arriscando todo o meu futuro num conceito vago e mal aproveitado de amor romântico, onde as linhas ténues que fazem perder todo o sentido da existência é a explosiva mistura de falta de amor-próprio. Citando R. Tagore, «Procuras a alegria á tua volta e no mundo. Não sabes que só nasce no fundo do coração?».

Não quero dominar, nem ser dominada, apenas desejo o equilíbrio na diferença, a proximidade na distância, porque a família é o microcosmo onde é possível desenvolver todo um caráter, personalidade e em certo sentido é determinante para as escolhas e decisões futuras dos filhos. Este é o tempo para alterar percursos, reconstruir, reunificar, abraçar o «nós» ao invés do individualismo e supremacia egoísta. Um dia todos vivenciámos de uma forma ou outra, problemas familiares que nos pareceram de dimensões planetárias na infância ou adolescência, mas acredito que com amabilidade e altruísmo podemos converter o mal em bem; precisamos ficar disponíveis, dedicar tempo e atenção aos nossos, ao próximo porque nada no mundo preenche mais o vazio de uma alma que a certeza de amar e ser amado no seio familiar. As gerações porvir merecem o melhor de «nós»!

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